18.1.05
Encómios Exagerados
A recente entrevista de José Gil ao Público, de 16-01-2005, que li, após ter ouvido várias referências encomiásticas a seu respeito, deixou-me numa situação de inesperada perplexidade. E, se a menciono aqui, faço-o sem qualquer azedume e sem nenhum gáudio também.
Decerto a pessoa em causa terá o seu valor, desenvolvido na área que estudou e sobre a qual tem trabalhado, ao longo da sua vida académica e pessoal, tanto mais que acontece ser ela oriunda da Filosofia, disciplina eminentemente especulativa, que tem gerado muitos vultos do pensamento.
Todavia e para respeito da verdade, terei de declarar aqui urbi et orbi que não consigo ver, pela entrevista, a genialidade anunciada, nem do autor nem da dita entrevista, que tantos elogiaram. Já antes dela, o circunspecto José Pacheco Pereira, no seu famoso Abrupto, havia lavrado uma alta recomendação a um livro de José Gil, saído no final do ano passado, «Portugal, hoje. O medo de Existir», que acabei por comprar e comecei a ler, mas duvido que chegue ao fim, apesar da fina espessura do mesmo, pelo fraco interesse que me despertou.
Já a entrevista, lia-a toda com atenção e a percepção foi semelhante. Parece-me até que José Gil desenvolve, na citada entrevista, um discurso algo confuso, muito baseado nos mitos psicanalíticos, de onde muita garrulice se alimentou, à sombra de Freud, sumidade endeusada por uma corte de inúmeros exegetas, que, assiduamente, tem gravitado entre os Boulevards de St. Michel e St. Germain-des-Près. Infelizmente, estas prestigiadas alamedas hoje já não gozam das presenças abençoadas do seu grande oráculo, Jean Paul Sartre e da sua inseparável e também célebre companheira, Simone de Beauvoir, figuras tutelares de uma intelectualidade francesa bem-pensante, muito referenciada e, normalmente seguida, por largo espectro da esquerda portuguesa e mundial.
Veremos se surgem mais manifestações, dignas de apreço, da capacidade reflexiva do novo ídolo encontrado, para alterarmos a nossa modesta opinião. Até lá, fiquemo-nos com a designada importantíssima entrevista, que, hoje mesmo, ouvi referir, com cópia de elogios, ao Carlos Magno, na sua crónica habitual na Antena 1, da RDP.
Anote-se entretanto, para se perceber melhor a génese da reputação, que a revista Nouvel Observateur publicou, há poucos dias, um número especial dedicado à influência de grandes pensadores actuais, destacando, fora da França, 25 figuras de intelectuais ou artistas, entre elas, o português José Gil, que, a par de Eduardo Lourenço, que assina o artigo sobre José Gil e é, ele mesmo também muito elogiado, em França, onde viveu e leccionou muitos anos, como um eminente pensador da actualidade.
Pergunta ociosa :
- Será porque ambos estudaram, se doutoraram, leccionaram e viveram longos anos, em França, que a revista os destaca desta enfática maneira ?
Distingamos, ainda assim, que Eduardo Lourenço é de facto uma figura de há muito interveniente no debate cultural português e com obra significativa publicada, no campo ensaístico, principalmente, merecedora da nossa natural atenção, ao passo que o mesmo já não se poderá dizer de José Gil, que pouco, até ao presente, se fez notar na vida cultural do país, porventura por legítima opção sua, sem ligação com o mérito ou demérito da pessoa.
Sublinhe-se que não pretendo diminuir o valor intelectual de José Gil, autor que nunca tinha lido antes e de quem apenas conheço as duas peças atrás citadas, insuficientes para dele fazer uma opinião fundada. Se o trago a esta crónica, isso deve-se mais à necessidade de chamar a atenção para uma certa maneira de a nossa Comunicação Social actuar, quando tenciona fabricar novos ídolos intelectuais ou artísticos.
Como frequentemente acontece, a Comunicação Social, por razões às vezes irrelevantes, idolatra determinadas figuras, que depois passam a gozar de um estatuto desproporcionado, em relação aos seus efectivos méritos e obra produzida. Em resultado da desmesurada euforia que a Comunicação Social promove, em torno desses súbitos eleitos, quem não se associa ao coro, logo levantado, corre mesmo o risco de ser considerado um fora-da-lei cultural, de critério errado, votado, por isso, ao ostracismo público.
Já temos visto este fenómeno vezes de mais.
Convém, portanto, adoptar uma atitude de maior prudência, em relação aos encómios atribuídos, sobretudo lá onde o seu objecto ( ainda ) não os justifica.
AV_Lisboa,18-01-2005
Decerto a pessoa em causa terá o seu valor, desenvolvido na área que estudou e sobre a qual tem trabalhado, ao longo da sua vida académica e pessoal, tanto mais que acontece ser ela oriunda da Filosofia, disciplina eminentemente especulativa, que tem gerado muitos vultos do pensamento.
Todavia e para respeito da verdade, terei de declarar aqui urbi et orbi que não consigo ver, pela entrevista, a genialidade anunciada, nem do autor nem da dita entrevista, que tantos elogiaram. Já antes dela, o circunspecto José Pacheco Pereira, no seu famoso Abrupto, havia lavrado uma alta recomendação a um livro de José Gil, saído no final do ano passado, «Portugal, hoje. O medo de Existir», que acabei por comprar e comecei a ler, mas duvido que chegue ao fim, apesar da fina espessura do mesmo, pelo fraco interesse que me despertou.
Já a entrevista, lia-a toda com atenção e a percepção foi semelhante. Parece-me até que José Gil desenvolve, na citada entrevista, um discurso algo confuso, muito baseado nos mitos psicanalíticos, de onde muita garrulice se alimentou, à sombra de Freud, sumidade endeusada por uma corte de inúmeros exegetas, que, assiduamente, tem gravitado entre os Boulevards de St. Michel e St. Germain-des-Près. Infelizmente, estas prestigiadas alamedas hoje já não gozam das presenças abençoadas do seu grande oráculo, Jean Paul Sartre e da sua inseparável e também célebre companheira, Simone de Beauvoir, figuras tutelares de uma intelectualidade francesa bem-pensante, muito referenciada e, normalmente seguida, por largo espectro da esquerda portuguesa e mundial.
Veremos se surgem mais manifestações, dignas de apreço, da capacidade reflexiva do novo ídolo encontrado, para alterarmos a nossa modesta opinião. Até lá, fiquemo-nos com a designada importantíssima entrevista, que, hoje mesmo, ouvi referir, com cópia de elogios, ao Carlos Magno, na sua crónica habitual na Antena 1, da RDP.
Anote-se entretanto, para se perceber melhor a génese da reputação, que a revista Nouvel Observateur publicou, há poucos dias, um número especial dedicado à influência de grandes pensadores actuais, destacando, fora da França, 25 figuras de intelectuais ou artistas, entre elas, o português José Gil, que, a par de Eduardo Lourenço, que assina o artigo sobre José Gil e é, ele mesmo também muito elogiado, em França, onde viveu e leccionou muitos anos, como um eminente pensador da actualidade.
Pergunta ociosa :
- Será porque ambos estudaram, se doutoraram, leccionaram e viveram longos anos, em França, que a revista os destaca desta enfática maneira ?
Distingamos, ainda assim, que Eduardo Lourenço é de facto uma figura de há muito interveniente no debate cultural português e com obra significativa publicada, no campo ensaístico, principalmente, merecedora da nossa natural atenção, ao passo que o mesmo já não se poderá dizer de José Gil, que pouco, até ao presente, se fez notar na vida cultural do país, porventura por legítima opção sua, sem ligação com o mérito ou demérito da pessoa.
Sublinhe-se que não pretendo diminuir o valor intelectual de José Gil, autor que nunca tinha lido antes e de quem apenas conheço as duas peças atrás citadas, insuficientes para dele fazer uma opinião fundada. Se o trago a esta crónica, isso deve-se mais à necessidade de chamar a atenção para uma certa maneira de a nossa Comunicação Social actuar, quando tenciona fabricar novos ídolos intelectuais ou artísticos.
Como frequentemente acontece, a Comunicação Social, por razões às vezes irrelevantes, idolatra determinadas figuras, que depois passam a gozar de um estatuto desproporcionado, em relação aos seus efectivos méritos e obra produzida. Em resultado da desmesurada euforia que a Comunicação Social promove, em torno desses súbitos eleitos, quem não se associa ao coro, logo levantado, corre mesmo o risco de ser considerado um fora-da-lei cultural, de critério errado, votado, por isso, ao ostracismo público.
Já temos visto este fenómeno vezes de mais.
Convém, portanto, adoptar uma atitude de maior prudência, em relação aos encómios atribuídos, sobretudo lá onde o seu objecto ( ainda ) não os justifica.
AV_Lisboa,18-01-2005
Comments:
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Caro António, li com muita atenção o seu texto e não estou totalmente de acordo consigo.
Estou de acordo consigo quanto ao costumado endeusamento de personagens tão ao gosto da nossa comunicação social, própria dos meios pequeninos. Neste caso não me parece que tenhamos chegado a esse exagero. Aliás, já antes o autor em questão tinha sido agraciado com o prémio Pessoa (se a memória não me atraiçoa) tendo-se seguido um período longo sem grandes referências ao autor. Se porventura, se destacaram nos últimos dias outras intervenções na comunicação social tal, em certa medida, ficou a dever-se ao lançamento do seu mais recente livro que de resto o António menciona no seu texto. Aliás, a esse respeito até me parecem bastante comedidas os ecos desse lançamento, sobretudo, comparando com algumas edições que têm direito a intermináveis e repetidas presenças na nossa comunicação social.
Também eu, como o António, conheço pouco do pensamento de José Gil, tendo apenas tomado contacto com a sua entrevista e extractos do seu livro recente o que me coloca em posição inferior à do António para poder fazer uma avaliação. Não conheço o senhor, e como acabo de referir, tenho um conhecimento reduzidíssimo da sua obra. Agora, a entrevista que deu ao Público e inserta da edição de domingo foi para mim uma descoberta que me deixou com vontade de conhecer melhor o seu pensamento. Creio que faz bem o seu papel de pensador, de nos convocar observações outras sobre nós próprios. De todas as observações que fez na referida entrevista houve uma que achei particularmente oportuna: quando se refere ao medo (o tal medo irracional, sem objecto) que nos caracterizará como povo. Aquele mesmo medo que apela a uma postura mais subserviente, mas que explode em irracionais iras e violência perante mais fracos. Também achei oportuna a observação acerca da fuga que temos do conflito da ausência de debate. Foi por aqui que fiquei interessado, assim me permita o tempo e tentarei conhecer a sua obra.
Dir-se-á que são observações óbvias, algumas dignas de Monsieur de la Palisse, em todo o caso, gostei muito de as lêr uma vez que me deixou a pensar e nos dias que correm agradeço todas as leituras que me tragam alguma matéria de reflexão, o que acontece, de resto, sempre que por aqui passo.
Um abraço.
Estou de acordo consigo quanto ao costumado endeusamento de personagens tão ao gosto da nossa comunicação social, própria dos meios pequeninos. Neste caso não me parece que tenhamos chegado a esse exagero. Aliás, já antes o autor em questão tinha sido agraciado com o prémio Pessoa (se a memória não me atraiçoa) tendo-se seguido um período longo sem grandes referências ao autor. Se porventura, se destacaram nos últimos dias outras intervenções na comunicação social tal, em certa medida, ficou a dever-se ao lançamento do seu mais recente livro que de resto o António menciona no seu texto. Aliás, a esse respeito até me parecem bastante comedidas os ecos desse lançamento, sobretudo, comparando com algumas edições que têm direito a intermináveis e repetidas presenças na nossa comunicação social.
Também eu, como o António, conheço pouco do pensamento de José Gil, tendo apenas tomado contacto com a sua entrevista e extractos do seu livro recente o que me coloca em posição inferior à do António para poder fazer uma avaliação. Não conheço o senhor, e como acabo de referir, tenho um conhecimento reduzidíssimo da sua obra. Agora, a entrevista que deu ao Público e inserta da edição de domingo foi para mim uma descoberta que me deixou com vontade de conhecer melhor o seu pensamento. Creio que faz bem o seu papel de pensador, de nos convocar observações outras sobre nós próprios. De todas as observações que fez na referida entrevista houve uma que achei particularmente oportuna: quando se refere ao medo (o tal medo irracional, sem objecto) que nos caracterizará como povo. Aquele mesmo medo que apela a uma postura mais subserviente, mas que explode em irracionais iras e violência perante mais fracos. Também achei oportuna a observação acerca da fuga que temos do conflito da ausência de debate. Foi por aqui que fiquei interessado, assim me permita o tempo e tentarei conhecer a sua obra.
Dir-se-á que são observações óbvias, algumas dignas de Monsieur de la Palisse, em todo o caso, gostei muito de as lêr uma vez que me deixou a pensar e nos dias que correm agradeço todas as leituras que me tragam alguma matéria de reflexão, o que acontece, de resto, sempre que por aqui passo.
Um abraço.
António
Passei para dar-te o meu abraço, fazer comentários para mim torna-se impossível , por aqui pouco chega sobre a política, as entrevistas e o que acontece ai em Portugal. Sempre venho inteirar-me aqui no Alma Lusíada
Um abraço
Semida
Passei para dar-te o meu abraço, fazer comentários para mim torna-se impossível , por aqui pouco chega sobre a política, as entrevistas e o que acontece ai em Portugal. Sempre venho inteirar-me aqui no Alma Lusíada
Um abraço
Semida
António, tenho, aqui, a revista do jornal 'Público' e o último 'Jornal de Letras', onde vêm entrevistas dadas por José Gil e um ensaio de Eduardo Lourenço, mas ainda não li, pelo que é melhor remeter-me ao silêncio, por enquanto.
Abraço.
Abraço.
António, deixei um comentário anónimo, porque me esqueci de identificar-me. Quando tentei incluir outro, para identificar-me, vi que o anterior não constava, ainda. Dei um tempo, pois poderia tratar-se de desfasamento na actualização, mas... já passou tanto tempo.
Dizia eu que, embora tenha, aqui, a revista do jornal 'Público' e o JL (Jornal de Letras), onde vêm entrevistas dadas por José Gil e um ensaio de Eduardo Lourenço, ainda não li nada e que, por isso, me remetia ao silêncio, por enquanto.
Vamos ver se, agora, o comentário fica...
Abraço,
DespenteadaMental
Dizia eu que, embora tenha, aqui, a revista do jornal 'Público' e o JL (Jornal de Letras), onde vêm entrevistas dadas por José Gil e um ensaio de Eduardo Lourenço, ainda não li nada e que, por isso, me remetia ao silêncio, por enquanto.
Vamos ver se, agora, o comentário fica...
Abraço,
DespenteadaMental
Ah... afinal, o tal comentário devia estar 'preso' em qualquer lado e acabou por ser empurrado pelo seguinte... (rindo)
DespenteadaMental
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DespenteadaMental
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